Minicurso - Vícios Contemporâneos : Compreensão e Manejo Clínico
Redes sociais, apostas online, pornografia, dependência química e os desafios da psicoterapia

A internet e as tecnologias digitais não apenas reinventaram antigos vícios — como apostas, pornografia e uso de substâncias — como também criaram novas formas de compulsão comportamental. Redes sociais, jogos online, consumo instantâneo e busca incessante por estímulos são manifestações de uma lógica aditiva cada vez mais presente no cotidiano. Essas formas de vício são mais sutis, mais acessíveis e socialmente normalizadas, o que dificulta seu reconhecimento e abordagem clínica. 

Antigamente limitadas a ambientes físicos como cassinos, bingos e loterias, as apostas hoje estão ao alcance de um clique, 24h por dia, acessíveis por aplicativos que funcionam como verdadeiros cassinos portáteis. A lógica das “bets” explora o reforço intermitente e a gamificação: estímulos visuais rápidos, microvitórias, rankings e notificações constantes mantêm o jogador preso a uma promessa de recompensa que raramente se realiza. 

A pornografia, antes acessada esporadicamente, tornou-se ilimitada, anônima, sob demanda e personalizada, promovendo ciclos de compulsão, dessensibilização, isolamento e ruptura da sexualidade relacional. Jogos e plataformas digitais são desenvolvidos com base em engenharia comportamental sofisticada: recompensas variáveis, missões, rankings, bônus diários, “skins” e maratonas virtuais criam uma sensação de urgência e pertencimento. 

O vício em redes sociais é uma das expressões mais difundidas da lógica aditiva digital. Likes, visualizações, comentários e notificações ativam o sistema de recompensa e reforçam comportamentos de comparação, performance e busca de aprovação. A repetição compulsiva do gesto de “rolar o feed” funciona como uma forma de alívio emocional imediato, mas também favorece estados de ansiedade, baixa autoestima e despersonalização. 

Do ponto de vista clínico, é essencial reconhecer que vícios e compulsões muitas vezes se originam como formas de ajustamento a experiências traumáticas. Eles operam como tentativas de autorregulação psíquica diante da dor, do medo, do abandono e da fragmentação do self. A repetição compulsiva pode funcionar como defesa dissociativa, expressão de uma memória não simbolizada ou substituto para vínculos afetivos interrompidos. Por isso, é fundamental compreender esses comportamentos não apenas como desajustes, mas como formas de sobrevivência emocional.